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UPMS: Água – bem comum e direito humano no Ceará

Por Kelly Santos

Nos dias 30 de novembro e 1º e 2 de dezembro aconteceu a Oficina da Universidade Popular dos Movimentos Sociais – UPMS, em Caucaia no Ceará, com o tema: Água – bem comum e direito humano no Ceará. A “UPMS das Águas” contou com a participação de lideranças indígenas e quilombolas, do movimento negro, de pescadoras(es), de mulheres, LGBTQI+, antimineração, pesquisadoras(es) e instituições e organizações sociais parceiras de diversos territórios do Brasil.

Com a proposta de colocar em diálogo horizontalizado os saberes dos movimentos sociais e os produzidos desde a academia, a UPMS surge no contexto do Fórum Social Mundial – FSM realizado no ano de 2003 a partir da proposição do sociólogo e militante intelectual Boaventura de Sousa Santos do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, fortalecendo assim, a agenda de enfrentamento das relações de poder opressoras e das injustiças sociais.

A Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, foi uma organização parceira da “UPMS das Águas” e o Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde – NEEPES/ENSP esteve presente através da pesquisadora Kelly Santos, que integra a equipe do Mapa de Conflitos e Injustiça Ambiental em Saúde no Brasil. Os diálogos foram pautados pela conjuntura de expropriação e superexploração das águas e afluentes por parte do estado do Ceará e das grandes empresas, tendo como caso emblemático a retirada das águas do Lagamar do Cauípe, o maior espelhos d`água da Região Metropolitana de Fortaleza, para uso nas atividades de Siderurgia e Termoelétrica que compõem o Complexo Industrial e Portuário de Pecém – CIPP.

Ao todo 27 comunidades tradicionais e indígenas compõem o entorno do Lagamar do Cauípe, dentre as quais, o povo indígena Anacé. Ademais de serem impactadas pela poluição gerada pelo CIPP, já vivenciam os transtornos do Sistema Hídrico do Cauípe - SHC, projeto do Governo do Estado do Ceará que propõe a retirada das águas para o abastecimento do CIPP, prejudicando diretamente as atividades de pesca e agricultura pela superexploração do aquífero. Como enfatiza uma liderança indígena: “A água doce está indo embora para alimentar ferro”.

No dia 30 de novembro foi realizado o trajeto das águas nos municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante. No Lagamar do Cauípe, visto desde a comunidade de Coqueiro, observou-se as tubulações instaladas para retirada das águas. Coqueiro ficou marcada pela resistência feita em 2 meses de acampamento feito por moradoras(es) impedindo a passagem das canalizações.

O Assentamento Nova Vida, localizado em Parada, município de São Gonçalo do Amarante foi outro local visitado. Impactado pela chuva de prata provocada pelo pó de carvão e minério de ferro transportado pela longa esteira do CIPP, moradoras(es) estão sofrendo com intoxicações e graves problemas respiratórios, muitas famílias já estão em seu segundo reassentamento. Também na Parada houve a estratégia de resistência através do acampamento de moradoras(es), permanecendo por 5 meses, até que foram atacadas(os) com balas de borracha, spray de pimenta e episódios de violência policial.

Ficou evidente, durante toda “UPMS das Águas”, que outros grandes projetos relacionados ao uso e exploração das águas seguem impactando as populações locais, a exemplo da Transposição do Rio São Francisco na região sul do Ceará. As atividades de mineração, as usinas eólicas, o agronegócio e a carcinicultura formam um mapa de conflitos complexos no estado do Ceará.

A “UPMS das Águas”, mais do que um local de compartilhamento dos conflitos, foi um espaço de fortalecimento coletivo e reafirmação da agenda política dos movimentos sociais e das organizações comprometidas com a justiça social. A carta elaborada pelas(os) participantes da UPMS das Águas expressa a potência desse encontro que reafirmou que somos todas(os) sementes e seguiremos semeando, mesmo nos tempos mais desafiadores e áridos!

 

Carta da UPMS Águas do Ceará

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Foto: Kelly Santos